Há poucos dias, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução 2.227/18, com novas normas para uso da telemedicina no Brasil. Se for usada para permitir acesso à saúde para quem não tem, não há dúvida que a telemedicina é um caminho sem volta no mundo todo. No Brasil, paÃs continental com enorme disparidade na quantidade e qualidade do atendimento médico, a telemedicina tem enorme potencial de trazer equidade.
O parágrafo terceiro do artigo quarto desta resolução do CFM diz que “a relação médico-paciente de modo virtual é permitida na cobertura assistencial em “áreas geograficamente remotasâ€, desde que existam as condições fÃsicas e técnicas recomendadas e profissional de saúdeâ€. De fato, a telemedicina foi originalmente criada como uma forma de atender pacientes situados em locais remotos, longe das instituições de saúde ou em áreas com escassez de profissionais médicos.
É fácil imaginar que quanto mais remota a localização de uma cidade num paÃs de mais de 8 milhões de metros quadrados, menos acesso a medicina haverá, em especial no que se refere a acesso ao atendimento por especialistas. Nestes rincões, em tese, a Telemedicina seria ainda mais útil.
Neste sentido, uma outra publicação recente do CFM, a quarta edição do estudo “Demografia Médicaâ€, traz dados importantÃssimos sobre o número e a distribuição de médicos no Brasil, e, portanto, nos dá grandes dicas sobre quais locais e para atendimento de quais especialidades médicas a telemedicina poderia ser mais benéfica.
Estima o estudo que, ao final do ano que vem, o Brasil já terá ultrapassado meio milhão de médicos. Das dezenas de especialidades médicas qual seria aquela com menos profissionais titulados no Brasil? Lendo a “Demografia Médica†a resposta é fácil: genética médica! Apenas 305 profissionais titulados (0,1% do total de especialistas, um geneticista para cada 700 mil habitantes!).
Outro aspecto importante revelado na “Demografia Médicaâ€: a velocidade de entrada de novos médicos geneticistas no mercado de trabalho brasileiro sempre foi e continua sendo muito pequena. No ano de 2017 haviam apenas 41 médicos se especializando em Genética. E por último, segundo dados da própria Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica, a grande maioria dos médicos geneticistas brasileiros atendem apenas nas capitais, com grande concentração no Sul e Sudeste.
Neste contexto, poderÃamos dizer que apenas 0,7% dos municÃpios brasileiros (40 entre 5.570) contam com o atendimento presencial de médicos geneticistas. Como podem observar, o conceito de “áreas geograficamente remotas†pode ter interpretação diferente quando o referencial é a presença ou não de médico geneticista no local, comparado com outros especialistas médicos.
Os argumentos demográficos explicitados acima já seriam mais do que suficientes para deixar claro que é no atendimento em Genética Médica especialidade que lida com pessoas com doenças raras, que o brasileiro mais se beneficiaria se, respeitando as novas regras do CFM, vários Centros de Telemedicina com foco em Genética fossem estruturados no Brasil, sob a coordenação de médicos geneticistas.
Mas ainda há pelo menos mais duas razões para ampliar a Telemedicina em Genética no Brasil; uma se refere a raridade de cada uma das doenças genéticas, que faz com que o conhecimento médico e da própria população sejam extremamente escassos neste campo, levando com frequência a verdadeiras “odisseias diagnósticasâ€, que incluem o deslocamento de pacientes e familiares, várias vezes, por milhares de quilômetros de distância em busca de um diagnóstico e tratamento – a telemedicina pode reduzir isto dramaticamente.
Já a segunda se refere às peculiaridades do atendimento em genética, isto porque parte das atividades de um médico geneticista, em especial aquelas que podem atingir a maior parte da população e prevenir o surgimento de várias doenças genéticas (que por sinal são incuráveis), se refere à atenção primária, que é justamente a mais fácil de ser realizada à distância. Transmissão de informações em larga escala através de telemedicina, sobre medidas simples, efetivas e de baixo custo, poderiam fazer uma verdadeira revolução na prevenção de deficiência intelectual, anomalias congênitas, enfim, das doenças raras como um todo no Brasil.
Elenquei este conjunto de atitudes de Atenção Primária em Genética em outra matéria do “Letra de Médicoâ€, intitulada “Como o Brasil deveria promover a saúde genética para sua população“.
Fonte: Veja