Como as demais células humanas,
as cancerÃgenas têm a capacidade de se autodestruir, processo chamado apoptose.
Na maioria dos casos, porém, ele não funciona. Pesquisadores norte-americanos
descobriram um composto que consegue ativar a proteÃna que desencadeia esse
processo de suicÃdio dos agentes tumorais. Em testes envolvendo amostras
sanguÃneas humanas e ratos com leucemia mieloide aguda, a abordagem diminuiu o
cancro. Apresentada na última edição da revista Cancer Cell, a terapia
promissora também poderá ser usada no combate a outros tipos de cancros, segundo
os criadores.
O trabalho baseou-se em pesquisas
que demonstraram o papel fundamental da proteÃna BAX no processo que leva
células do câncer a se autodestruÃrem. “Nossa descoberta de que essa proteÃna é
expressa em células cancerosas de forma inativa e de que poderÃamos fazê-la
funcionar manipulando sua estrutura foi o que nos motivouâ€, conta ao Correio
Evripidis Gavathiotis, pesquisador da Faculdade de Medicina Albert Einstein,
nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo.
Com a comprovação da relevância
da BAX, os pesquisadores saÃram em busca de uma molécula que pudesse ativá-la.
Chegaram ao composto quÃmico BTSA1 (abreviação de BAX Trigger Site Activator
1). Testado em amostras de sangue de pacientes com leucemia de alto risco, ele
induziu a apoptose nas células cancerÃgenas, mas sem afetar as células
estaminais saudáveis, responsáveis pela formação do sangue.
Como segundo passo, os cientistas
analisaram a ação da BTSA1 em ratos modificados para ter leucemia mieloide
aguda. A droga foi administrada em metade dos camundongos com o tumor, enquanto
a outra parcela funcionou como grupo controle. Os roedores tratados com o
composto sobreviveram significativamente por mais tempo: em média 55 dias,
contra 40 dias no segundo grupo. “Nosso composto reavivou as moléculas de BAX
suprimidas em células cancerÃgenas por ter uma alta ligação com essas
moléculas. Com isso, a BAX pode entrar em ação, matando células cancerosas do
sangue, sem prejudicar as saudáveisâ€, detalha o autor.
Para a equipe, os resultados
indicam a possibilidade de surgimento de um tratamento mais eficiente que os
disponÃveis. “Comparado com outras estratégias clÃnicas, essa é a primeira
abordagem direta para que as células cancerosas se autodestruamâ€, ressalta
Gavathiotis. “Esperamos que os compostos que estamos desenvolvendo se tornem
mais eficazes do que as terapias anticancerÃgenas atuais.â€
Jacques Tabacof,
onco-hematologista do Centro Paulista de Oncologia (CPO), considera
interessante a proposta de abordar um importante mecanismo celular na
destruição de estruturas com tumores. “A apoptose, também chamada de morte
celular programada, existe em todas as células, mas em parte das moléculas
cancerÃgenas esse programa está desativado. O processo não ocorre, e as células
doentes se acumulam. Nesse estudo, eles abordam uma via que ativa essa tarefa
importantÃssima para o combate ao câncer e exploram um mecanismo de ação
únicaâ€, explica.
Mais testes
Outra aposta da equipe de
estudiosos é que a estratégia de induzir a apoptose em células cancerÃgenas
seja usada contra outros tumores. “À medida que a maioria das células
cancerosas tem expressões de BAX, essa abordagem deve ser eficaz em outros
tipos de câncer (tumores hematológicos e sólidos), embora não seja amplamente
eficaz para todas as células cancerÃgenas do mesmo câncerâ€, explica
Gavathiotis. � No momento, a equipe
investe em cancros que são mais suscetÃveis a essa abordagem. “Estudar outros
tumores e contextos clÃnicos para aplicar essa abordagem é nosso objetivo
principal. Queremos tornar essa estratégia viável, algo que possa ser usada em
pacientes o mais rápido possÃvelâ€, reforça Gavathiotis.
A forma de administração do
tratamento também já é alvo de pesquisa da equipe. “Idealmente, nossos
compostos seriam combinados com outras terapias para matar células cancerosas
de forma mais rápida e eficiente e com menos efeitos adversos, que são um
problema muito comum com as quimioterapias padrãoâ€, complementa o autor.
Apesar de promissores, os
resultados não são suficientes para garantir que a técnica funcionará em
humanos e nem contra outras tumores, pondera Tabacof. “É algo testado apenas em
animais, mas claro que todos os grandes avanços precisam passar por essas
pequenas etapas. Acredito até que eles escolheram a leucemia porque é mais
fácil analisá-la por meio de amostras sanguÃneas. Caso os testes em humanos
repitam esses dados animadores, poderia ser uma nova forma de tratamento a ser
adotada da forma que a quimioterapia é utilizada hoje.â€
Nas células brancas
É o tipo mais comum de leucemia
aguda em adultos e o segundo tipo mais incidente em crianças (o primeiro é a
leucemia linfoide aguda). Esse câncer ocorre quando os glóbulos brancos estão
se diferenciando dentro da medula óssea e sofrem alterações. As mudanças fazem
com que as moléculas de defesa passem a se multiplicar de maneira desordenada.
Sua evolução é bastante rápida, o que torna o diagnóstico precoce extremamente
necessário para um combate mais eficaz da doença.
Estratégia promissora
“Esse tipo de pesquisa pode ajudar não só no tratamento da leucemia, mas também de outros tumores. Novos marcadores de apoptose são apenas algumas das estratégias que têm sido desenvolvidas em busca de terapias mais eficazes contra o câncer. Entre outras, temos a busca por marcadores da proliferação celular e inibidores dessas moléculas cancerÃgenas, por exemplo. A prioridade é encontrar opções que não ataquem células saudáveis e tenham um resultado melhor que os usados atualmente, como a quimioterapia. É claro que estudos como esse ainda são iniciais. Precisam ser comprovados em humanos, mas nos trazem a esperança de ganhos daqui a alguns anos. Acredito que, no futuro, o tratamento de tumores será baseado na prevenção. Ela envolve mudar os hábitos, aconselhamento genético, diagnóstico precoce e tratamentos individualizados, que são menos invasivos e mais eficientesâ€, afirma João Pitaluga, hematologista do Instituto de Câncer de BrasÃlia (ICB). �