O Brasil vive o maior surto de febre amarela em 14 anos.
Até terça-feira, 24, foram confirmados 70 casos da doença, com 40 mortes. Desse
total, 21 são de pacientes que apresentaram os primeiros sintomas em meados de
dezembro. O maior número de casos até então havia sido em 2003, quando foram
confirmados 64 pacientes com febre amarela. Há ainda no País outros 364 casos
em investigação, incluindo 49 óbitos.
Além do aumento expressivo do número de casos, a doença
atinge um número maior de Estados e municípios neste ano. Em 2003, com o surto
em Minas, os casos se espalharam por menos de 20 municípios do Estado. Agora,
pelo menos 40 cidades apresentam registros de pacientes com suspeita da
infecção. Há notificações também em Espírito Santo, Bahia e São Paulo. No
total, 60 cidades do País já relataram casos suspeitos.
"Não há dúvidas de que os casos vêm em maior número
e atingem uma área maior", afirma o infectologista da Fundação Oswaldo
Cruz, André Siqueira. Para ele, não há um fator único que explique a expansão.
Entre as causas estariam maior circulação do vírus,
desmatamento e mudanças do clima que favorecem a proliferação dos mosquitos
transmissores da forma silvestre da doença. Ao jornal O Estado de S. Paulo, na
terça-feira, 24, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que o governo
também analisa a tese de que o surto em Minas pode estar relacionado à tragédia
do rompimento da barragem em Mariana, que afetou o equilíbrio ecológico do Rio
Doce em 2015. "Isso é uma tese que está sendo desenvolvida e nós estamos
aguardando eventual confirmação."
Ação
tardia
Siqueira não descarta a possibilidade de que medidas de
contenção tenham sido feitas de forma tardia. "Desde o fim do ano passado
há registros de morte de macacos, um indício de que o vírus da febre amarela
poderia estar circulando de forma mais intensa", disse Siqueira. Para ele,
com as notificações, seria necessário intensificar a vacinação da população
suscetível.
O subsecretário de Vigilância e Proteção à Saúde da
Secretaria de Estado de Saúde de Minas, Rodrigo Said, garante, porém, que
medidas foram adotadas rapidamente. "Os registros de casos em humanos
começaram na primeira semana de janeiro. Providenciamos imediatamente vacinação
de bloqueio." De acordo com ele, não foram identificadas com antecedência
mortes de animais. "Começaram a ser notadas simultaneamente aos registros
de casos suspeitos na população."
Siqueira avalia que óbitos provocados pela doença poderiam
ter sido evitados. "Os casos aconteceram, em sua maioria, em áreas
consideradas de risco. Por que a população não estava vacinada?" Para o
pesquisador, o argumento de que o País vive ciclo de aumento de casos da doença
a cada 7 ou 10 anos não é suficiente para explicar os casos. "Isso é um
atestado de incapacidade de autoridades de saúde. Existe uma vacina contra a
doença, uma vacina eficaz. Se há maior risco a cada ciclo de 7, 10 anos, por
que medidas não são adotadas?" Ele defende, por exemplo, que campanhas
periódicas sejam feitas, sobretudo em áreas de risco.
O professor da Universidade de Brasília (UnB), Pedro
Tauil, afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo considerar
necessária, passado esse período de aumento expressivo de casos, uma discussão
mais aprofundada sobre a forma como a vacina é ofertada para a população. Uma
das possibilidades que precisam ser discutidas, disse, é incluir o imunizante
na rotina de imunização.
Na terça-feira, 24, o ministro Barros ressaltou que
"o Brasil tem capacidade técnica, de assistência, pessoal, infraestrutura
e de vacinas, para bloquear esse surto". "Agora, depende efetivamente
de as pessoas irem à vacinação e de técnicos agirem corretamente quando surge
cada caso."
Barros declarou que a pasta não trabalha com a hipótese
de o surto se alastrar para as áreas urbanas. "Mas, evidentemente, se a
pessoa pega a doença na mata e vem para a cidade, pode transmitir. O fato
concreto é que temos controle máximo dos casos para evitar que isso
aconteça", ressaltou, considerando a possibilidade de retomada da
transmissão por meio do Aedes aegypti.
Imunização. A imunização em Minas é considerada baixa. Cerca de 50% da população está vacinada contra febre amarela. Em São Paulo, onde também há casos (veja ao lado), o índice chega a 80%. O coordenador de Controle de Doenças da Secretaria de Saúde de São Paulo, o infectologista Marcos Boulos, no entanto, afirma ser necessário atingir a marca de 95% em áreas consideradas de risco.