BRASÍLIA - O ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou
ontem ao GLOBO que não é função do governo federal administrar hospitais.
Atualmente, o ministério mantém unidades apenas no Rio de Janeiro e no Rio
Grande do Sul. Barros conversou com o prefeito eleito do Rio, Marcelo Crivella,
que deseja municipalizar os nove hospitais federais na cidade. Embora não veja
problemas na proposta, o ministro fez uma ressalva: não pode dizer ainda que há
interesse do Ministério da Saúde na municipalização. Para isso, é preciso
primeiro um pedido formal do prefeito eleito, e depois um estudo da pasta para
avaliar a viabilidade da transferência.
— Eu tive essa conversa com Crivella, porque de fato não
é função do ministério ter hospital. Só temos no Rio de Janeiro e Rio Grande do
Sul. Em lugar nenhum mais, porque o SUS (Sistema Único de Saúde) é de execução
descentralizada. Mas ele (Crivella) ficou de estudar se haveria interesse da
parte dele. E nós, em havendo manifestação dele, vamos dialogar com os
hospitais, para ver como fazemos a decisão — disse Barros.
Na terça-feira, Crivella pediu ao presidente Michel Temer
a transferência dos hospitais federais para a administração municipal. Ontem,
questionado pelo GLOBO se é de interesse do Ministério da Saúde passar adiante
a gestão dos hospitais, Ricardo Barros disse que não poderia ainda se
posicionar.
— Estou dizendo que hospitais federais são uma exceção,
que só existem no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Não pode dizer que há
interesse, porque eu não vou me manifestar sem que haja uma provocação oficial
da prefeitura. Ele (Crivella) vai ter que fazer conta, ver com a equipe dele se
realmente tem interesse. Tivemos uma conversa muito preliminar — afirmou
Barros.
Na terça-feira, quando falou do interesse em
municipalizar os hospitais federais, Crivella ressaltou, no entanto, que seria
importante o aumento dos repasses da União.
— Não tenho medo de ser um gestor pleno do SUS (Sistema
Único de Saúde) se nós pudermos contar com os repasses e reajustes dos repasses
para que não estrangule o Tesouro municipal. Seria bom para ambas as partes —
disse anteontem o prefeito eleito.
REPASSES SÃO VISTOS COM
CAUTELA
Ontem, ao ser questionado se haveria recursos federais
para manter os hospitais, mesmo numa eventual municipalização, o ministro da
Saúde respondeu que se trata de uma questão a ser examinada.
— Nós teríamos que ver a maneira de fazer isso, porque o
quadro de servidores dos hospitais é de vínculo federal. Temos que ir ajustando
essa questão. Não é um assunto simples de resolver, por isso estou pedindo
cautela. Não vou posicionar a opinião do ministério sobre isso agora sem que
haja uma demanda oficial, e um estudo da nossa parte antes de responder. Não há
posição do ministério sobre isso — disse Barros.
A falta de repasses da União foi um dos principais
motivos do fracasso de uma experiência de municipalização dos hospitais
federais no Rio, iniciada em 1998, o que provocou uma crise na Saúde, só
resolvida com a devolução das unidades à União, em 2005.
Os hospitais federais no Rio são o Cardoso Fontes, em
Jacarepaguá; o dos Servidores do Estado, no Santo Cristo; O Instituto Nacional
de Cardiologia, em Laranjeiras; o Instituto Nacional do Câncer, no Centro; o
Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, em São Cristóvão; e os
hospitais do Andaraí, Bonsucesso, Ipanema e Lagoa.
A intenção de Crivella na municipalização dos hospitais
federais causou certa estranheza, já que o prefeito eleito anunciou tempos de
austeridade e o fim das grande obras no Rio. Um de seus motes de campanha foi
defender o funcionamento do que já existe e não a construção de novas
estruturas. Os hospitais federais já existem, mas assumir a sua gestão exigiria
investimentos e novos gastos.
No jantar de terça com Temer, Crivella também pediu a
municipalização do Porto do Rio, administrado pela Companhia Docas do Rio de
Janeiro, ligada ao Ministério dos Transportes. A avaliação do prefeito eleito é
que a municipalização vai injetar R$ 100 milhões por ano no caixa da
prefeitura, embora o porto seja deficitário e tenha um dos maiores passivos
trabalhistas do país.
Crivella lembrou que o governo federal já delegou portos
para outras prefeituras. Mas um auxiliar de Temer disse ontem que ainda não é
possível afirmar se o pedido poderá ser atendido. Ele aponta que há uma série
de fatores que terão de ser analisados para averiguar a viabilidade disso —
como o fato de haver áreas que são da Marinha — por uma questão de segurança.
— Temer nem concordou, nem negou o pedido do senador. A
área técnica do Ministério dos Transportes terá que avaliar a legalidade dessa
transferência. Se não houver entraves, quem sabe?
A delegação de portos federais para municípios e estados é possível e tem precedentes, mas há ainda um empecilho que poderá atrapalhar os planos de Crivella. Segundo técnicos do governo federal, o município do Rio deveria receber a gestão dos portos de Niterói e Itaguaí, que ficam em outras cidades, mas também são administrados pela Companhias Docas do Rio de Janeiro. Além disso, técnicos do governo discutem meios para transferir portos à iniciativa privada e consideram que seria um sinal contraditório ao mercado municipalizar a gestão do porto do Rio. Apesar de todos os possíveis entraves, Crivella estava confiante na terça-feira.