RIO —O Estado de São Paulo é o líder em ações judiciais
na área de saúde, registrando, somente nos meses de janeiro e de setembro de
2015, 3.014 processos neste segmento da judicialização, segundo estudo da
Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Os dados fazem
parte do caderno "Judicialização da Saúde na Prática – Fatos e dados da
realidade brasileira", que analisou uma amostra das ações judiciais em
quatro estados - São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Foram reunidos dados referentes a dois meses de processos: janeiro e setebro
para São Paulo, e março e novembro para os demais estados.
Foram quase 15 mil ações impetradas em tribunais de
Justiça, que, segundo o presidente-executivo da Interfarma, Antônio Britto,
foram analisadas, uma a uma, e trazem uma amostra dos impactos negativos que a
judicialização causa para o sistema de saúde do Brasil
Depois de São Paulo, o estado com o maior número de ações
foi o Rio Grande do Sul, com 2.780 processos, seguido do Rio, com 607, e Minas
Gerais, com 529. O Rio Grande do Sul, no entanto, se destacou pelo número de
ações por 100 mil habitantes. São quase 25, enquanto a média dos estados é de
7,45. São Paulo aparece em segundo lugar, com 6,79 ações por 100 mil
habitantes.
Para compor a amostra, foram pesquisadas ações com os
termos "medicamento" e "remédio" no Banco de Sentenças do
Tribunal do Estado de São Paulo e no Banco de Jurisprudência do Rio de Janeiro,
do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. Das 15 mil ações encontradas, quase
sete mil puderam ser classificadas como judicialização da saúde; excluindo
ações como indenização por acidentes de trânsito.
Principais causas da
judicialização
Uma série de fatores contribui para o aumento da
judicialização, como o envelhecimento da população, a crise econômica e a falta
de subsídio para a compra de medicamentos, afirma a advogada especialista em
direito à saúde, Renata Vilhena Silva. Contudo, diz ela, três fatores são mais
decisivos. O primeiro é o orçamento do governo para o setor, que sofreu uma
redução de R$ 24 bilhões em 2016, comparando com o orçamento original de 2015.
O segundo é a falta de incorporação. O SUS não incorpora
a maioria dos medicamentos mais modernos, dando preferência às tecnologias mais
antigas. Nos últimos três anos, até julho de 2015, o governo havia barrado
56,3% dos 199 pedidos de incorporação que recebera. Outros 66 pedidos ainda
estavam em fase de análise. Dos 80 medicamentos incorporados, a maioria (45) é
formada por terapias disponíveis no mercado há mais de 15 anos. Já os remédios
lançados mais recentemente, com até cinco anos de mercado, tiveram uma
incorporação bem menor, de apenas 13 produtos.
Por fim, existem os atrasos e problemas logísticos,
completa Renata. Segundo a advogada, mesmo os medicamentos incorporados ao SUS
e que, portanto, deveriam estar à disposição dos brasileiros, acabam às vezes
em falta nos postos de saúde e hospitais públicos. A causa disso é atribuída a
problemas de logística, mas com o agravamento da crise econômica no país, todas
as esferas do governo começaram a reduzir o volume de medicamentos comprados ou
a postergar a compra, além de atrasar o pagamento dos fornecedores.
Para Renata, a causa do colapso da judicialização da
saúde é fruto de um sistema mal gerido:
— Enquanto o papel da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) não for revisto e os planos não deixarem de vender sem ter a
estrutura adequada de hospitais, corpo clínico e equipamentos para atender o
cliente, o problema não se resolverá. Falta transparência e diálogo.
Debate com a sociedade
Para enriquecer o debate sobre judicialização, a
Interfarma convidou diferentes lideranças e especialistas em saúde para
compartilhar as suas perspectivas sobre a questão. Além de Renata Vilhena,
participam do caderno Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da Federação
Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e Francisco Balestrin, presidente do
conselho de administração da Associação Nacional dos Hospitais Privados
(ANAHP).
A publicação traz sugestões e propostas de ações que
possam reduzir a judicialização da saúde, garantindo fôlego aos governos e
acesso à saúde para os brasileiros. Entre as sugestões está a criação de varas
especializadas em saúde, para que as ações sejam julgadas por juízes
experientes nessas questões, a exemplo do que acontece em outras áreas. Grupos
de apoio técnico ao judiciário podem complementar a iniciativa. Além disso, a
Interfarma sugere a criação de mais canais de diálogo para facilitar a
negociação entre sociedade, Ministério Público e governos, evitando ações
judiciais desnecessárias, e o aperfeiçoamento das políticas de incorporação de
novos medicamentos.