SÃO PAULO - O setor de saúde nacional está na mira dos
grandes fundos de private equity, focados na compra de participações em
empresas. A lista de ativos que atrai o interesse destes investidores inclui
planos de saúde, laboratórios de diagnóstico, fabricantes de equipamentos e
medicamentos, além de hospitais. Levantamento da consultoria espanhola
Transactional Track Record (TTR), que acompanha fusões e aquisições no Brasil e
na América Latina, mostra que os negócios no setor de saúde voltaram a crescer nos
últimos dois anos no Brasil. Foram 37 transações na área em 2014, 76 em 2015, e
só no primeiro semestre deste ano 41 negócios fechados. Desde 2014, as
operações movimentaram quase R$ 18 bilhões, considerando as 45 que tiveram os
valores divulgados. Mas, como foram fechadas 154 transações no período, o valor
total é muito maior.
Fundos consultados pelo GLOBO confirmam que estão
garimpando empresas do setor de saúde. A americana Advent, uma das maiores
gestoras de private equity e que detém o controle do Grupo BioToscana e 13% dos
laboratórios Fleury, diz que busca oportunidades. Segundo fontes, o próximo
grande negócio virá da Advent. Mas não é o único.
O fundo britânico Actis tem R$ 2 bilhões para investir no
Brasil e a saúde está no centro das prioridades. O mesmo ocorre com as gestoras
americanas TPG Capital e Warburg Pincs. Tem até escritório de advocacia
especializado em fusão e aquisição ampliando a atuação em saúde, caso do Mattos
Filho Advogados, que, no ano passado, montou uma equipe dedicada ao segmento.
— A saúde no Brasil é um setor que terá grande expansão
no futuro em razão do envelhecimento da população, o que vai gerar mais
necessidade de prestação médica, de produtos farmacêuticos e assistência médica
— disse Juan Pablo Zucchini, responsável pela área de saúde na Advent.
OPERAÇÕES DE GRANDE PORTE
A desvalorização do real diante do dólar, que barateou
ativos para estrangeiros, é citada por analistas para justificar o interesse.
Marcos Boscolo, sócio da consultoria KPMG e especialista em saúde, destaca o
tamanho do setor, que movimenta 9% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano, o
equivalente a R$ 216 bilhões. Isso torna o Brasil o sexto maior mercado do
mundo. Atualmente, o Brasil já é o sétimo maior consumidor mundial de
medicamentos e a previsão é que alcance a quinta colocação em 2020, segundo
dados da IMS Health. Além disso, o setor de saúde cresce a uma taxa de cerca de
20% ao ano.
— Houve grandes negócios pontuais, especialmente na área
de laboratórios, mas há muito espaço para consolidação, o que torna o setor
muito atrativo — diz Marcos Boscolo, sócio da KPMG.
Os fundos estrangeiros, porém, buscam ativos de grande
porte. Segundo Daniel Coelho, diretor da consultoria Seferin e Coelho, negócio
bom para private equity só acima de US$ 100 milhões. Ele explica que só o custo
da due dilligence (processo de investigação de oportunidade de negócio) é muito
alto.
— A população cresceu, a demanda por saúde também, e
alguns hospitais fecharam. O Brasil tem déficit de leitos, e há estudos que
apontam o colapso do sistema em 2030. Se houver investimento, há muitíssimo
espaço para crescer — justificou.
O tamanho das transações concluídas reforça a visão de
Coelho. Há duas semanas, o grupo de saúde São Francisco, que tem sede em
Ribeirão Preto, interior paulista, e faturamento anual de mais de R$ 1 bilhão,
teve 30% de seu capital vendido para o fundo Gávea. O São Francisco tem 71 anos
de atuação em Mato Grosso, Mato do Grosso do Sul e Goiás, oferecendo planos de
saúde e de odontologia.
A permissão do governo federal, dada em 2015, para que os
estrangeiros detenham hospitais no país criou um novo chamariz de
investimentos. Boscolo, da KPMG, lembra que 48 milhões de pessoas têm planos de
saúde no Brasil, enquanto 157 milhões ainda dependem do Sistema Único de Saúde
(SUS). Os investidores enxergam potencial de ganho de escala, com planos de
saúde mais baratos.
A abertura do setor de hospitais a estrangeiros enfrentou
resistência do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
O presidente do Cremesp, João Ladislau Rosa, argumenta que vender ativos de
saúde é tratar um serviço básico como “produto”. Para ele, a injeção de capital
está longe de ser sinônimo de melhoria da qualidade:
— Qual o interesse de um grupo estrangeiro em entrar aqui
para melhorar a saúde do brasileiro? Não é esse o objetivo — afirmou Rosa.
Calcula-se que entre públicos e privados, o Brasil tenha
6.000 hospitais. A busca por negócios grandes acaba excluindo parte das redes
de plano de saúde das miras dos fundos de private equity.
— É mais fácil os investidores entrarem nos hospitais do
que nos planos. Já há cinco ou seis grandes redes nacionais consolidadas, no
segmento dos hospitais isso não existe — diz Boscolo.
REDE D´OR É ÚNIDA REDE NACIONAL
No Brasil, apenas a Rede D’Or é considerada nacional, com
27 unidades em estados como Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e Pernambuco.
Antes da abertura aos estrangeiros, o banco BTG tornou-se sócio do
cardiologista Jorge Moll Filho, dono da Rede D’Or, comprando debêntures
(títulos de dívida) conversíveis em ações, já que têm estrangeiros entre os
investidores. O banco ficou com 27% da rede, avaliada em R$ 19 bilhões. No ano
passado, quando caiu a barreira aos estrangeiros, o BTG vendeu 8,3% de sua
fatia por R$1,7 bilhão para o fundo Carlyle. Logo em seguida, outros 15% foram
vendidos ao fundo soberano de Cingapura, por R$ 3,2 bilhões.
Segundo Francisco Balestrin, presidente do Conselho de
Administração da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp), diversos
fundos conversam com instituições. As 72 principais delas tiveram, em 2015,
receita de R$ 22 bilhões, e mesmo em cenário de crise, devem girar R$ 25,6
bilhões este ano. Esses hospitais, filiados à Anahp, respondem por 40% das
despesas hospitalares do país.
— Não tenho dúvidas de que haverá uma consolidação do
setor. Os investidores estavam reticentes devido às incertezas da política —
diz Balestrin.
A perspectiva de melhora no campo político ajuda a atrair
investidores. Além disso, no ano passado, os custos dos hospitais aumentaram
12%, enquanto a receita cresceu abaixo da inflação. Isso deixou muitas
instituições em situação financeira delicada, o que as torna potencial alvo de
compra. Para se manter no azul, muitos hospitais estão cortando custos e
reduzindo investimentos.