Às vezes falta o básico: médicos, leitos e medicação...Diversos
problemas na rotina das instituições de saúde dificultam a universalidade,
integralidade e equidade que direcionam o Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo
assim não se pode abandonar a dimensão emocional no contexto de um
problema de saúde, por si só fator estressor tanto para o paciente quanto para
seus familiares. Situações como essa, de dificuldade de acesso, inclusive,
amplificam a importância da humanização dos serviços de saúde no Brasil, que,
desde 2004, conta com uma Política Nacional de Humanização, elaborada pelo
Ministério da Saúde, com o objetivo de qualificar práticas de gestão e de
atenção em saúde.
A internação é um desses momentos mais críticos. Isso
porque ela aciona um “sistema de alarme”, um sinal de que “algo não vai bem”.
“Aciona a imprevisibilidade, uma situação inesperada. Consequentemente, as
reações de susto, medo, ansiedade e choque são esperadas e naturais. Isso muda
a rotina do sujeito e mobiliza uma adaptação a essa nova realidade”, explica
Maria Emídia de Melo Coelho, especialista em Psicologia Hospitalar e
Luto e coordenadora e professora no curso de Tanatologia e cuidados paliativos
da Sociedade de Tanatologia e Cuidado Paliativo de Minas Gerais (Sotamig).
A princípio, hospitais deveriam ser ambiente de acolhimento e intervenções
médicas, onde se recebe cuidado especial e, dependendo da situação, a pessoa é
atendida por profissionais de diversas especialidades. No entanto,
segundo Maria Emídia, o hospital é visto como um ambiente hostil, impessoal,
ameaçador, muitas vezes, invasivo, onde o ritmo de vida é interrompido sob um
clima de medos e expectativas. “A internação provoca um impacto na dinâmica
individual e da família, acompanhado de grande vulnerabilidade. Há também uma
despersonalização, onde a pessoa passa a ser tratada pelo número de seu
prontuário e não pelo seu nome, ficando, assim, destituída de sua condição de
sujeito, que carrega consigo uma história de vida”, explica Maria Emídia,
também mestre em ciências da religião.
Para a especialista em psicologia hospitalar e luto Maria Emídia Coelho, é preciso inserir conteúdos relacionados à temática nas grades curriculares dos cursos da área de saúde
Por isso, o momento da internação requer muita
presença, proximidade e atenção do profissional de saúde. Eles precisam
compreender os processos sociais e psicológicos, reconhecendo que os fatores
psíquicos interferem nos quadros clínicos e na adesão ao tratamento. Estabelecer
uma escuta atenta e boa comunicação é fundamental. “É importante explicar com
calma o que está ocorrendo, o porquê da internação, como vai ocorrer, o que vai
ser proposto e o que se espera com a internação. Trata-se de um momento
fundamental para que a relação médico-paciente seja estabelecida na confiança,
reafirmando a esperança e um bom cuidado”, defende.
Mas há casos e casos. Os motivos de uma internação são diversos e provocam
reações diferentes. Aquelas que ocorrem para fazer um simples procedimento
suscitam menos ansiedade, até mesmo pelo fato de, na maioria das vezes, serem
breves. No caso de internação para a recuperação de cirurgias, a ansiedade será
proporcional à sua complexidade. As que ocorrem numa emergência costumam gerar
mais impacto, pela situação inesperada ou violenta. Os atendimentos são
pontuais e, por isso mesmo, demandam mais atenção e quase sempre, no primeiro
momento, são feitos nos corredores do hospital. Segundo Maria Emídia, é
necessário acolhimento específico nessa situação.
UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA
Mas quando há o encaminhamento para UTI, as fantasias e superstições se
intensificam. Trata-se de um ambiente estigmatizado e ligado à ideia de
gravidade e morte. Apesar de nem sempre isso ser real, as pessoas demonstram
verdadeiro pânico quando se fala de UTI. Associada à ansiedade há também a
restrição do horário de visita e de contato com os familiares, aumentando a
tensão emocional.
Alguns estudos já constataram que, para a humanização do cuidado em UTIs, é
imprescindível que todos os profissionais de saúde do setor utilizem da
tecnologia disponível, aliando a empatia, com a compreensão do cuidado
fundamentado no relacionamento interpessoal terapêutico, visando à promoção do
cuidado seguro, responsável e ético a indivíduos críticos.
Os pesquisadores defendem a importância do investimento nas práticas de
humanização com inserção de conteúdos relacionados à temática nas grades
curriculares dos cursos. Isso permitirá a formação de profissionais não apenas
do ponto de vista técnico, mas com condutas e posturas diferenciadas, norteadas
pela ética e pela humanização, independentemente do local onde o profissional
esteja inserido
Um dos principais objetivos do cuidado humanizado em UTIs relaciona-se à
necessidade de manutenção da dignidade do ser humano e o respeito por seus
direitos em todas as fases da vida, já que se trata de uma situação muito
particular, de total dependência a familiares e profissionais de saúde.
Mas são as internações advindas de doenças crônicas, graves ou incuráveis as
mais difíceis e que demandam maior atenção. “É necessário cuidado integral, que
atenda a pessoa na sua totalidade de maneira singular e respeitando as suas
condições pessoais. Esse atendimento deve ser extensivo aos familiares. No caso
de morte iminente deve ser feita a preparação para o óbito com rituais de
despedida. Essa é a vivência que chamamos de luto antecipatório, que prepara o
doente e seus familiares para o processo da morte, atendendo às necessidades e
facilitando a aceitação e elaboração do luto. Nessa fase, o apoio psicológico é
imprescindível. Ele fortalece as possibilidades de enfrentamento e adaptação do
indivíduo”, explica a especialista.
As reações, claro, vão variar de acordo com a estrutura de cada personalidade e
como o paciente se apropria ou não de sua doença. A capacidade de elaboração
está ligada ao ajuste emocional, ao momento de vida, das vivências anteriores,
da presença de uma rede de apoio (familiares e amigos), do motivo da
internação, do tratamento proposto e do prognóstico. “A única forma de amenizar
esses sentimentos é fazer um atendimento acolhedor, humanizado e integrado à
pessoa e aos seus familiares. O modelo integrador é o que atende igualmente os
aspectos físicos, psíquicos, sociais e espirituais. Enquanto esses aspectos
ficarem à margem, continuaremos observando reações negativas dos pacientes e de
seus familiares, com atendimentos desumanizados e os pacientes sem condições de
enfrentamento num momento tão delicado e frágil”, afirma.