Pacientes com
doenças graves correm risco. Secretaria repassa responsabilidade a fornecedores
“O meu caso é de vida ou morte. É um absurdo.
Se eu não tiver os remédios, morro”. O desabafo é da dona de casa Renata Pain,
33 anos. Desde o dia 1º de março, ela aguarda que os medicamentos de que
necessita – Sildenafila e Bosentana – sejam disponibilizados na rede pública.
Ela tem hipertensão arterial pulmonar e, por isso, sente falta de ar com
recorrência. A doença é grave. Contudo, pelo fato de os remédios estarem em
falta, sua médica diminuiu as doses. “Me sinto muito mais cansada agora”,
afirma.
Segundo a
Secretaria de Saúde (SES), 69 medicamentos estão com estoques zerados na rede
pública. No total, são 850 remédios oferecidos gratuitamente à população. A
pasta destacou que “todos esses itens estão com processo de aquisição em
andamento”. Ela não citou quais são os produtos em falta.
Por telefone, no
entanto, o gerente de Programação de Medicamentos do órgão, Emmanuel de
Oliveira Carneiro, explicou que, hoje, o principal motivo para o déficit das
substâncias é o descumprimento do prazo de entrega por parte dos fornecedores.
“A falta para os
pacientes não ocorre por ausência de planejamento, porque o planejamento é
feito com bastante antecedência”, salienta. “Dentro do processo licitatório,
podem ocorrer algumas intercorrências que fazem com que demore um pouco mais de
tempo. Por exemplo, a gente pode ter tentativas de licitação que resultam em
'deserto', quando nenhum fornecedor tem proposta para aquele medicamento.
Podemos ter também 'fracassos' por preço. Neste caso, as empresas aparecem, mas
fazem cotação a um preço maior do que o estimado pela administração pública”,
diz o gerente.
Descumprimento
de prazo
Segundo
Emmanuel, tais intercorrências podem acontecer em qualquer processo
licitatório, não apenas na compra de remédios. “A maioria das licitações dá
certo. Porém, hoje, o diagnóstico é de que muitos fornecedores, sob diferentes
alegações, não cumprem o prazo de entrega”, explica, dizendo que, quando isso
acontece, a Secretaria de Saúde faz a compra emergencial dos itens para
garantir o abastecimento à população.
O gerente de
Programação apontou que existe um processo para a aquisição. “De forma geral, a
compra dos medicamentos segue um rito comum. É obrigação do Estado licitar, e
sempre temos processos de licitação em andamento para medicamentos. Ao final do
certame, há celebração de uma ata de registro de preços. Uma vez que eu tenho
esse contrato, é feita a execução dele, em que a secretaria solicita a entrega.
A validade dessa ata é de um ano”, disse.
Dosagem menor
piora problemas
Renata Pain, com
hipertensão arterial pulmonar, e outros pacientes garantem que a ausência de
remédios é recorrente. “Não é a primeira vez. Direto acontece isso, e a minha
médica tem que diminuir a dosagem. Normalmente, tomo 80 mg de oito em oito
horas do Sildenafila e 125 mg de Bosentana de 12 em 12. Agora, tomo 40 mg do
primeiro e 62,5 do segundo, o que é prejudicial, porque me sinto mal, com falta
de ar quase o tempo todo”, desabafa. No total, ela ingere 280 comprimidos
mensalmente e, segundo a dona de casa, por serem caros, ela não tem condições
de comprá-los. Cada um custa, aproximadamente, R$ 3 mil.
Outra paciente,
Rita Balota, 39 anos, conta que só tem o Sildenafila para mais uma semana. E o
genérico custa, em média, R$ 70. Por dia, ela toma três comprimidos. Cada
cartela contém o mesmo número. “Eles (Secretaria de Saúde) não deram previsão.
Só dizem que fizeram o pedido. Além disso, como a secretaria deve dinheiro para
alguns fornecedores, enquanto não pagar, alguns não serão liberados”, diz a
professora. Segundo ela, duas pessoas conhecidas foram internadas devido à
ausência da substância: “Ficaram sem oxigênio”.
Em estado
vegetativo
Entre os 69
medicamentos em falta na rede pública de saúde estaria uma fórmula
nutricional, o Nutrison, único alimento ingerido por pessoas em estado
vegetativo. A denúncia é de Josemari Pereira, 54 anos, mãe de Daniele Araújo,
30, que, após sofrer um acidente há três anos, perdeu totalmente a capacidade
de responder a estímulos.
“Tudo que ela
ingere é por meio da sonda, e ela precisa dessa dieta específica do Nutrison”,
explica Josemari, que adiantou sua aposentadoria para cuidar da filha e de seus
dois netos. “Ligaram ontem falando que a dieta está disponível, só que só
vão mandar na sexta-feira agora. Então, vamos esperar mais ainda”, completa.
No período em
que ficou sem o Nutrison, por aproximadamente três meses, a família contou com
a ajuda de conhecidos para alimentar Daniele. “Tínhamos reserva porque um
paciente faleceu, e enviaram a dieta para nós. Foi a nossa salvação. Chegamos a
diminuir a dosagem para não zerar o estoque”, desabafa a dona de casa.
Segundo
Josemari, há ainda o problema do chamado “equipo”, um equipamento necessário
para a conexão da sonda. O dinheiro para comprar o equipo e os frascos deverá
sair do bolso da família. "É impossível aplicarmos a dieta sem esses
objetos. Eu uso até entupir para economizar, pois o certo é usar três ou quatro
por dia, mas não temos condições. Portanto, uso apenas um", completa.
A dona de casa
conta que o pedido de dietas, frascos e equipo para a aplicação estava em
licitação e agora que foi regularizado. “Mesmo assim, falta quase tudo. E não é
muito barato, mas não podemos esperar a boa vontade do governo, minha filha
precisa se alimentar”, desabafa Josemari.
Fórmula
recém-chegada
Questionada, a
Secretaria de Saúde informou que a fórmula nutricional Nutrison “teve
seus estoques reabastecidos nesta terça-feira (ontem)”. Ainda de acordo com a
pasta, “a fórmula será distribuída à população a partir de quarta-feira (hoje),
na Central de Nutrição Domiciliar, no SIA, ao lado da Farmácia Central, das 8h
às 16h”.
A família de
Daniele sofre também com a falta de fraldas, que deveriam ser
fornecidas pelo GDF.
Queixas crescem
38% em um ano
As reclamações
por falta de medicamentos na rede pública cresceram 38% em um ano. A
estatística é da Defensoria Pública de Saúde. Segundo o órgão, em 2014, foram
2.834 atendimentos relacionados ao problema. Em 2015, foram 3.937.
A Defensoria
Pública informou que o número de ações por ausência de medicamentos necessários
também aumentou. Em 2014, foram 423. No ano passado, 474, um crescimento de
12%. Neste ano, apenas em janeiro, foram 323 atendimentos e 16 ações judiciais.
O órgão não
soube indicar quais são os remédios mais solicitados. Porém, no ranking das
ações judiciais de 2015, o cenário foi: em primeiro lugar, UTIs, em segundo,
medicamentos, e, em terceiro, cirurgias. Tratamentos, consultas e exames
ficaram em último na lista de demandas da defensoria.
Investimento
Em nota, a
Secretaria de Saúde informou que, de janeiro a março, foram investidos R$ 48
milhões em medicamentos. Em todo o ano passado, apontou a pasta, foram
gastos mais de R$ 323 milhões.
A secretaria
acrescentou que “diariamente, diversos medicamentos chegam à pasta, e outros
ficam zerados, momentaneamente, enquanto há o processo de
reabastecimento/entrega por parte dos fornecedores. O número, portanto, oscila
de forma rápida de um dia para o outro”.
No entanto, na
semana passada, o JBr. denunciou a ausência de medicação para pacientes que
sofrem de hipertensão arterial pulmonar. E, segundo a coordenadora do
grupo de hipertensão pulmonar de Brasília, Flávia Lima, não é a primeira
vez que isso acontece.
"No ano
passado, o fornecimento da Bosentana foi irregular e chegou a faltar por quase
três meses", afirmou. Ainda de acordo com a coordenadora, a medicação é
essencial para o tratamento dos pacientes, e sua ausência oferece risco morte
para os pacientes.
Dificuldades se
arrastam
Em maio do ano
passado, o governo reconheceu a falta de logística e de organização na
Farmácia Central da Secretaria de Saúde, no SIA. Representantes da pasta
apontaram que, enquanto faltavam alguns medicamentos e insumos, outros eram
comprados em excesso.
"Invasão"
em busca de internação
Segundo o
Relatório Sistêmico de Fiscalização da Saúde (FiscSaúde), aprovado na semana
passada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), para os casos de internações
hospitalares de média e alta complexidade, o DF apresenta o maior saldo de
invasão estadual de todas as unidades da Federação – ou seja, é o que
mais atendeu a pacientes de outros estados.
Já para os casos
de procedimentos ambulatoriais de alta complexidade – consultas e exames –,
segundo o documento, o DF apresenta evasão, ou seja, seus residentes mais
procuraram atendimento em outros estados do que o contrário.
Ainda de acordo
com o relatório, em 2013, em todo o País, apenas os 40 remédios mais caros
custaram R$ 431 milhões - 54% dos recursos totais transferidos aos estados para
aquisição de medicamentos excepcionais, dentro do bloco Assistência
Farmacêutica. Dados parciais compilados até agosto de 2014 já indicam um
aumento desses gastos para R$ 554 milhões.
As regiões Sul e
Sudeste concentram 73% das ações judiciais do País por demanda de
medicamentos. Já a região Norte foi onde as demandas tiveram menor
relevância, com apenas 1%. Decisões que obrigavam a aquisição de medicamentos
pelo Ministério da Saúde aumentaram quase 80% entre 2010 e 2013, passando de 5.966
para 10.720. Até outubro de 2014, esse número já era de 11.877.
Saiba mais
A situação da
saúde pública no Distrito Federal tem reflexo direto no atendimento nos
hospitais públicos da região. Em fevereiro deste ano, o juiz da 6ª Vara de
Fazenda Pública condenou o Distrito Federal ao pagamento de R$ 150 mil, a
título de danos morais, pela morte de Maria das Mercedes Viturino de Melo,
causada em razão de demora e tratamento inadequado em diversas unidades. A
decisão, porém, não é definitiva e pode ser objeto de recurso.
Os autores,
filhos de Maria, ajuizaram ação de reparação pelos danos morais, pois alegam
ter sofrido em razão de demora e falhas nos atendimentos médicos dados à mãe em
hospitais da rede pública do DF.
Com informações Da
redação do Jornal de Brasília
Fonte: Jornal de Brasília/DF: 17/03/2016